“Minha infância foi roubada.”
A frase curta e forte resume o sentimento desta jovem sobre os anos em que foi explorada sexualmente em um bar perto da BR-116 no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Vamos chamá-la de Bruna.
“Minha infância foi me prostituindo”, conta ela.
Bruna conta que tudo começou muito cedo. A mãe era alcoólatra e passou a oferecer a filha em troca de dinheiro, após a morte do padrasto. Tinha apenas 10 anos de idade.
Eu fui explorada por minha mãe, fiz vida pra poder levar pra dentro de casa, levar alimento.
Os abusos aconteciam na casa da família. “Ela falava, ‘Bruna, você tem que tomar banho que vão chegar’. Aí eu tinha que estar limpa pra esperar os homens chegarem”, revela.
Bruna tem 12 irmãos. Bocas demais para os pais alimentarem. “Faltava alimento. Aí, eu tinha que me prostituir por cesta básica, por uma lata de óleo.”
Logo a mãe passou a oferecer a menina em postos de combustíveis. A orientação era que ela não escondesse a idade. “Aí eu ia lá e falava a minha idade certa. Mesmo assim, eles queriam. Eles falavam: ´com a mais nova é bom, mais nova é gostosa’ ", revela.
Ouviu da própria mãe que deveria deixar os estudos e se dedicar exclusivamente à prostituição. “Aí eu saí da escola e fui pra BR”, diz a jovem.
Aos 11 anos de idade e sendo explorada rotineiramente, Bruna engravidou. Mas não percebeu. Só se deu conta da gestação quando a criança estava prestes a nascer.
“Eu falei com minha irmã: ‘tô com umas coisas mexendo dentro de mim’. Ela falou: ‘deve ser verme´. aí eu deixei. Já era gordinha. Foi passando, foi passando e chegou nos dias do menino nascer. Falei: ´tô sentindo dor, acho que tem que dar uma olhada. Bora no hospital?´ Quando chegou lá, era um menino”, recorda.
O nascimento da criança não impediu que a mãe deixasse de levar Bruna para “trabalhar”. “Dinheiro ia tudo pra ela. Ela olhava dentro da minha calcinha pra ver se tinha dinheiro. Ela era viciada na bebida”, desabafa.
O local em que Bruna foi explorada por mais tempo era um bar próximo da BR-116. Levada pela mãe, ela encontrou no local muitas outras crianças na mesma situação. “Eram várias crianças. Tinha mais criança que mulher vivida. Era 12, 14, 15 ano.”
Os programas aconteciam no fundo do imóvel, hoje abandonado. A exploração de menores acontecia livremente. “Ficava servindo os homens e eles colocavam dinheiro no nosso sutiã, do lado da calcinha”, conta. O bar faturava com metade do que era pago pelos homens nos programas.
A exploração sexual de Bruna só terminou quando a jovem tinha 15 anos. Ela foi localizada pelo voluntário de uma ONG que resgata meninas em situação de exploração sexual. “Eu também achei que ele gostaria de criança, cheguei e me ofereci, mas ele falou que iria me resgatar dali, que aquilo não era pra mim, não”, lembra.
Bia sobrevive hoje com dificuldade. Aos 23 anos, teve mais um filho há 4 anos. E se reconectou ao primogênito, que teve quando era abusada aos 11 anos. Por muito tempo, ela rejeitou a criança.
A mãe dela se mudou e Bruna tenta sustentar a vida no imóvel semi-abandonado. Não há luz elétrica, cortada há quatro meses por falta de pagamento. Sem geladeira, a pouca comida que eles têm apodrece na cozinha.
O irmão de Bruna também mora com ela. Aos 17 anos, segue os passos da prostituição. Até pouco tempo, não sabia que a irmã tinha se submetido a mesma coisa.
É uma vida de muitas dificuldades. Quando querem beber água ou tomar banho, precisam ir até um rio próximo. Nem mesmo ferver a água é possível, já que não há fogão em casa. Com uma vida cheia de traumas, ela encara as dificuldades do presente como pode, na esperança de dias melhores. “Se nós não ´tem´, não podemos fazer nada. Somos felizes do jeito que nós estamos aí, né?”, completa Bruna, conformada com a vida difícil, mas ainda assim, menos terrível do que já foi um dia .